Texto mais lindo que li sobre roça

 


Maravilhas do mundo

Estado de Minas Gerais

Lembranças da Fazenda A casa era caiada de janelas e portas pintadas de um azul vistoso e o telhado, já enegrecido pela ação do tempo, era coberto por telhas coloniais. Na frente os currais e uma frondosa paineira que florescia espetacularmente todo ano cujas flores, como num passe de mágica, se transformavam em flocos de algodão, aproveitados por minha avó na confecção de macios travesseiros. Tudo era bucólico, despojado, simplesmente simples como deveria ser nossa vida neste planeta conturbado. E como era bom estar naquele lugar, acordar com os raios de sol entrando atrevidamente pelo telhado sem forro, as vacas mugindo nos currais, as galinhas ciscando no terreiro, tudo anunciando que outro dia de felicidade já amanhecera. Depois era lavar o rosto no rego d'água gelado e cristalino, tomar o café quentinho com queijo e quitandas ao pé do fogão de lenha, onde o manso Leão placidamente dormitava curtindo os últimos dias de sua velhice canina. Por lá havia o monjolo que pilava dia e noite os grãos plantados por meu avô no roçado; a queijeira; o paiol; o engenho com seus enormes tachos de cobre, onde a garapa cheirosa da cana moída se transformava em açúcar mascavo e gostosas rapaduras; o carro de bois, que ao peso da colheita, cantava uma cantiga dolente ouvida à distância; o riacho cristalino margeado por uma areia fina e branca que brilhava sob a luz do sol... No quintal uma floresta de árvores frutíferas: mangueiras, laranjeiras, goiabeiras, abacateiros, amoreiras, sob as quais se passava as tardes brincando ou se deliciando com as frutas da estação. No pasto, os cavalos adestrados e mansos que a então menina aventureira neles montava em pêlo e saía galopando campo afora, para o desespero do avô receoso de algum acidente. Quando a noite chegava, a brincadeira era a de caçar vagalumes e aprisioná-los em vidrinhos, onde os coitados piscavam sem parar até o último instante de suas curtas existências. Por fim, vinha o descanso num colchão de palha, macio e chocoalhante, onde o sono era o dos anjos, na certeza de viver tudo de novo no dia seguinte. Foi uma infância indescritivelmente feliz e dela tenho muita saudade. Dizem que a maturidade nos faz voltar ao passado e nos transforma em seres repetitivos e nostálgicos. Ledo engano. Aprendi recentemente com o sensível cronista Fernando Fabrini que saudade nada tem a ver com nostalgia, pois esta “beira a depressão”, enquanto aquela “...tem um quê de prazer, de alegria por termos vivido algo de bom. É o carimbo, o reconhecimento de firma numa das páginas de nossa história, legitimando o afeto que ali se encerra – e que se foi.” Revisitemos, pois, as páginas de nossa vida, nossas boas lembranças e deixemos que a saudade nos acaricie, pois nada é mais reconfortante do que rememorar os momentos felizes que já vivemos. Imaculada Machado

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